quarta-feira, 9 de julho de 2014

Muito antes de Deus.

(continuação do post anterior...)


Essa história de destruir o meio ambiente. Vamos a ela. 

Ok, tudo bem, o ser humano tem sido irresponsável com isso. Mas olhe só, pessoa, há uma tremenda diferença entre ser irresponsável e maldosamente destruidor. Nós vamos aprendendo conforme vivemos. 
Época houve em que não entendíamos os efeitos de nossas ações sobre o meio. Agora estamos começando a entender e já estamos começando a tomar providências sobre isso, embora não com a presteza necessária e é esta a irresponsabilidade. Mas atenção! Não é como se praticássemos a destruição pela destruição, não é como se, ao poluirmos os rios e mares, ao eliminarmos florestas e espécies, sentíssemos prazer. A imensa maioria de nós, pelo menos. Ocorre que temos que usar os meios de que fomos dotados para sobreviver e ao mesmo tempo, fazermos o que sempre fizemos: aprender com nossos erros.

E isto nos leva de volta ao início. A nossa maldade inerente. Que só será extirpada pela ação daquele “Senhor da misericórdia” que, sem misericórdia alguma, teria nos lançado neste vale de lágrimas, para sermos presas e vitimas do meio indefeso só que não, e para estarmos à mercê de alguns de nós que também teriam sido criados pelo Deus. Deus este que teria nos dado livre arbítrio para que pudesse testar o “amor” de alguns. A esta altura, pessoa, penso que não precisamos deblaterar sobre como isso se choca com a inerência da justiça do Deus, certo? 
Oh, vejo que você não concorda. Agora você me apresenta como argumento que há mistérios que apenas a Deus pertencem, que não nos é dado conhecer todos os desígnios de Deus, pois ele é, além do resto, a sabedoria. O que eu posso dizer? Que enquanto você pensa que está me apresentando uma sólida explicação, eu estou vendo que você está arranjando desculpas para o comportamento desse Deus, tão incongruente com os predicados que o formam. 
Eu estou observando, pessoa, que enquanto você pensa que está defendendo sua fé e seu Deus, você na verdade está tentando me encurralar com o desconhecido. 
É mais ou menos como se você estivesse me dizendo que não posso ter a arrogância de pretender saber sobre todas as coisas e que, por isso, as incongruências desse Deus podem muito bem ter suas explicações abrigadas nesse desconhecido, esperando o momento certo de serem desveladas e me desafiando a provar o contrário.

Respondo a você que as probabilidades da lógica e da razão continuarem soberanas mesmo no desconhecido são muito mais altas que a possibilidade da existência desse Deus que torna improvável a sua própria existência, nos termos em que é apresentado. Apenas para constar nos registros, lembro o que já te disse duas vezes: se há um criador, do universo, dos seres humanos, não é esse que você descreve, pelas razões já apresentadas. E neste assunto, quem combate a razão é você, não eu.

Passemos então à questão da maldade humana, da forma como você, pessoa, a vê.
Somos nós, humanos, tão maus que não merecemos a dádiva da vida que esse Deus teria nos dado. Não há, para nós, chance de redenção fora dos termos desse Deus, pois a maldade que nos é intrínseca nos impede de a superarmos e sermos melhores.

Eu digo solenemente que não, pessoa, não é assim.
Começo por perguntar, pessoa: quem é que nos aponta nossos erros, nossas falhas e faltas? Quem é que se horroriza ao ponto do sofrimento intenso com coisas que nossos semelhantes cometem contra outros semelhantes que nunca sequer chegamos a conhecer, ou contra outras espécies?
Quem é que se indigna com as coisas injustas?
Não são os leões na montanha, nem os lírios no campo.

Somos nós, pessoa. É, nós mesmos. Você consegue entender isso?
Significa que nossa redenção se dá por nós mesmos.
Aos poucos, lentamente, vamos superando nossa condição animal no que ela tem de bestial e fazemos isso porque somos capazes de percebê-la e porque não a aceitamos.
Eu diria até que o que nos faz superiores não é o fato de termos ultrapassado as limitações naturais a um ser tão desprovido, comparativamente a tantas outras espécies, de vantagens evolutivas. Até por que a própria natureza se encarregou de nos dotar com uma vantagem, que é nosso cérebro. 
Mas fomos ainda mais longe. Desenvolvemos autoconsciência; tornamo-nos capazes de nos ver criticamente e assim fazendo, de desenvolvermos empatia num alto grau. É por sermos capazes de autocrítica e empatia assim desenvolvida, que sabemos que há coisas que ferem e destroem nosso semelhante, porque poderemos estar no lugar de nosso semelhante em qualquer ocasião e por sabermos que nossas ações ferem e destroem nosso semelhante. Nós somos nossos juízes.
Nós valemos a pena por nós mesmos, não pela suposta dádiva de um improvável Deus, cuja existência, se real, o colocaria muito abaixo de qualquer de nossos padrões de bondade, de amor e de justiça.
O que não somos é perfeitos, isso não. E não é provável que em algum tempo venhamos a ser.
Mas avançaremos sempre muito lentamente na tentativa de melhorarmos nossa natureza, de superarmos nossa parte bestial, enquanto não entendermos que essa superação depende de nós, não do temor a um ser improvável. E que nossa parte melhor é obra nossa, não desse ser.
Em suma, pessoa: a responsabilidade é nossa, as falhas são nossas, os erros são nossos, mas os méritos também são nossos.
E sim, eu já percebi pessoa, que você não concorda comigo, que se sente ofendido em sua fé. É até provável que pense que eu merecerei todo e qualquer castigo que esse Deus achar por bem me dispensar.

Eu? Eu penso que estivemos aqui muito antes desse Deus ser criado à nossa pior imagem e semelhança, por nós mesmos, movidos pelo medo e pela ignorância.
 E que ele viverá tanto tempo quanto permanecerem nossos piores defeitos.





Um comentário:

  1. Shirley

    Ótimo texto para reflexão
    Em resumo, Deus criou o homem conforme sua imagem com seu lado bom e mau deu-lhe livre arbítrio por amor a ele e se mandou deixando o circo pegar fogo, porquanto “a responsabilidade é nossa, as falhas são nossas, os erros são nossos, mas os méritos também são nossos.” E... Deus lavou as mãos.

    Abç



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