terça-feira, 8 de julho de 2014

Muito antes de Deus.

. Há dias atrás ouvi uma conversa que me deu tratos à bola, em variações sobre tema recorrente.

A conversa girava em torno do ser humano (a quem genericamente denominavam "homem"), do quanto mau e destruidor ele é. Ao que parecia, fora iniciada com uma imagem vista numa rede social, sobre jovens que torturavam cães e postavam as imagens. Daí seguiu para o mal destrutivo do ser humano contra a própria espécie. Previsivelmente as partes concordaram que somente a justiça divina, para por cobro a tanta maldade e destruição. Com o adendo, por uma das partes, de que graças "ao Senhor em sua misericórdia", a punição ao ser humano não tardava. A outra parte concordou respondendo que havia momentos em que o ser humano lhe parecia um maldito, que não merecia viver, já que mata as outras espécies e destrói o meio ambiente. Quando me afastei da conversa, ela girava em torno de uma frase atribuída a Jesus, sobre deixarem que vá a ele os pequeninos, e perorações sobre as razões dessa frase, que seriam a pureza e a inocência das crianças. E que somente os que fossem como elas seriam chamados.



Abstive-me de participar da conversa, pois conheço de cor e salteado as respostas que viriam aos meus questionamentos e, confesso, minhas impertinências, como por exemplo, considerações sobre crianças, salvo os bebês de peito, não serem puras e inocentes, que dirá os adultos, caso em que o paraíso seria um berçário.

Mas fiz lá minhas reflexões mentais. Por exemplo. Esse Jesus com certeza quereria os pequeninos com ele. Os pequeninos na coragem da honestidade intelectual. Do tipo que, diante do afloramento da lógica e da razão ali no solo da sensatez, enxergam um abismo intransponível e fogem de volta a se refugiar na tapera de suas auto enganações.

Tão certo como dois e dois são quatro, sei qual seria a resposta a uma pergunta inicial minha.

Por que esse Senhor da misericórdia fez esse ser maldito, mau e destruidor?

Posso ouvir a resposta, em coro:

Deus não fez o ser humano para ser mau, mas ele nos deu o livre arbítrio; por amor ao ser humano, Ele permitiu que escolhêssemos entre fazer o bem e fazer o mal.

Eu sou uma pessoa razoável, mas há coisas que me tiram do sério e essa é uma delas.

Pessoa, por favor, pessoa, tente prestar atenção.

Deus não fez o ser humano para ser mau.

Se aceitarmos, para fins de raciocínio, que existe esse Deus e que ele fez o ser humano, ele o fez para ser mau, sim, assim como para ser bom. Você não pode pessoa, escamotear com essa leveza a responsabilidade que teria um suposto criador do ser humano no produto final. A dificuldade insuperável para a existência desse Deus, contudo, é dada por você mesmo, pessoa. Pois você sustenta que esse Deus é a bondade, a justiça, o amor; que é onipotente e é a própria perfeição.
Então pessoa, raciocine comigo. Se esse Deus não apenas possui bondade, amor e justiça, mas é a própria bondade, amor e justiça; se ele, segundo você, é, além disso, a própria perfeição e onipotência, ele não poderia ter criado o ser humano, tal como ele é.
Primeiro, porque a bondade, o amor e a justiça inerentes a ele seriam impeditivos naturais. E segundo, que sequer haveria a chance dos impeditivos naturais não funcionarem, já que esse Deus é perfeito e onipotente.
Daí conclui-se que:

a) - Esse Deus quis sim criar o ser humano exatamente como ele se mostra muitas vezes, mau e destruidor, porém, nem mesmo o amor, a bondade e a  justiça humanas criariam propositalmente tal ser, logo esse Deus não é formado por tais características, e por isso:

b) - se há de fato um criador dos seres humanos, quiçá do universo, você, pessoa, na verdade não tem a menor ideia da identidade dele e está perdendo seu tempo e trapaceando seus neurônios com algo que não existe.

E não para por aí. Essa história de livre arbítrio. Mesma coisa, pessoa. O Deus que supostamente (podemos concordar, a essa altura do arrazoado, que cabe a palavra supostamente?) é bondade, amor, etc. etc., não poderia ser o mesmo que dotou o ser humano do tal livre arbítrio, pela óbvia razão de que há os que não podem exercer o próprio.
Como assim? Ora, como assim. Pense em bebês sofrendo horrores nas mãos do ser humano que está, ele sim, exercendo o tal livre arbítrio. Pense em cãezinhos sendo torturados e mortos.
Amor, bondade, etc. etc., simplesmente não comportam a criação de um ser que irá exercer o tal livre arbítrio voltado para o mal e a destruição à revelia dos que não podem fazer o mesmo.

De novo: Ou esse Deus quis que as coisas fossem exatamente assim e, portanto não há nele sequer o senso de bondade, amor, justiça que tem os seres humanos ou você não tem a menor ideia de quem ele seria e está perdendo seu tempo e trapaceando seus neurônios  por algo que não existe.

Não, não, nada disso.
Não assuma essa atitude ultrajada, como se eu estivesse espezinhando sua fé, pretendendo tirar de você o direito à crença, suprimir todas as religiões.
Eu estou me dedicando a fazer algo que você se recusa a fazer: racionalizar sobre a sua fé. E como acabo de demonstrar, sob o escrutínio da razão, ela não para em pé. Sinto muito, não é culpa minha. Como não é de minha responsabilidade que, para escorar sua fé, você amontoe seus neurônios numa posição em que eles não foram feitos para ficar. Seus neurônios precisam estar arrumados pela lógica, pela razão.
De verdade, precisam mesmo, é assim que o ser humano vem se mantendo nesse meio ambiente tão hostil. É, esse mesmo que você diz que está sendo destruído pela maldade humana. Antes de enveredarmos nesta nova senda, permita-me concluir o pensamento anterior. Como seus neurônios precisam estar numa posição, mas você os quer em outra, você se obriga a se enganar, vendo lógica e razão em lugares em que estas coisas jamais estiveram. E porque você está fazendo isso deliberadamente, você fica nervoso com quem aponta isso. Shame on you

continua no próximo post...

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