A conversa girava em torno
do ser humano (a quem genericamente denominavam "homem"), do quanto
mau e destruidor ele é. Ao que parecia, fora iniciada com uma imagem vista numa
rede social, sobre jovens que torturavam cães e postavam as imagens. Daí seguiu
para o mal destrutivo do ser humano contra a própria espécie. Previsivelmente
as partes concordaram que somente a justiça divina, para por cobro a tanta
maldade e destruição. Com o adendo, por uma das partes, de que graças "ao
Senhor em sua misericórdia", a punição ao ser humano não tardava. A outra
parte concordou respondendo que havia momentos em que o ser humano lhe parecia
um maldito, que não merecia viver, já que mata as outras espécies e destrói o
meio ambiente. Quando me afastei da conversa, ela girava em torno de uma frase
atribuída a Jesus, sobre deixarem que vá a ele os pequeninos, e perorações
sobre as razões dessa frase, que seriam a pureza e a inocência das crianças. E
que somente os que fossem como elas seriam chamados.
Abstive-me de participar da
conversa, pois conheço de cor e salteado as respostas que viriam aos meus
questionamentos e, confesso, minhas impertinências, como por exemplo,
considerações sobre crianças, salvo os bebês de peito, não serem puras e
inocentes, que dirá os adultos, caso em que o paraíso seria um berçário.
Mas fiz lá minhas reflexões
mentais. Por exemplo. Esse Jesus com certeza quereria os pequeninos com ele. Os
pequeninos na coragem da honestidade intelectual. Do tipo que, diante do
afloramento da lógica e da razão ali no solo da sensatez, enxergam um abismo
intransponível e fogem de volta a se refugiar na tapera de suas auto
enganações.
Tão certo como dois e dois
são quatro, sei qual seria a resposta a uma pergunta inicial minha.
Por que esse Senhor da
misericórdia fez esse ser maldito, mau e destruidor?
Posso ouvir a resposta, em
coro:
Deus não fez o ser humano
para ser mau, mas ele nos deu o livre arbítrio; por amor ao ser humano, Ele
permitiu que escolhêssemos entre fazer o bem e fazer o mal.
Eu sou uma pessoa razoável,
mas há coisas que me tiram do sério e essa é uma delas.
Pessoa, por favor, pessoa,
tente prestar atenção.
Deus não fez o ser humano
para ser mau.
Se aceitarmos, para fins de
raciocínio, que existe esse Deus e que ele fez o ser humano, ele o fez para ser
mau, sim, assim como para ser bom. Você não pode pessoa, escamotear com essa
leveza a responsabilidade que teria um suposto criador do ser humano no produto
final. A dificuldade insuperável para a existência desse Deus, contudo, é dada
por você mesmo, pessoa. Pois você sustenta que esse Deus é a bondade, a
justiça, o amor; que é onipotente e é a própria perfeição.
Então pessoa, raciocine
comigo. Se esse Deus não apenas possui bondade, amor e justiça, mas é a própria
bondade, amor e justiça; se ele, segundo você, é, além disso, a própria
perfeição e onipotência, ele não poderia ter criado o ser humano, tal como ele
é.
Primeiro, porque a bondade,
o amor e a justiça inerentes a ele seriam impeditivos naturais. E segundo, que
sequer haveria a chance dos impeditivos naturais não funcionarem, já que esse
Deus é perfeito e onipotente.
Daí conclui-se que:
a) - Esse Deus quis sim
criar o ser humano exatamente como ele se mostra muitas vezes, mau e
destruidor, porém, nem mesmo o amor, a bondade e a justiça humanas criariam propositalmente tal
ser, logo esse Deus não é formado por tais características, e por isso:
b) - se há de fato um
criador dos seres humanos, quiçá do universo, você, pessoa, na verdade não tem
a menor ideia da identidade dele e está perdendo seu tempo e trapaceando seus
neurônios com algo que não existe.
E não para por aí. Essa
história de livre arbítrio. Mesma coisa, pessoa. O Deus que supostamente
(podemos concordar, a essa altura do arrazoado, que cabe a palavra
supostamente?) é bondade, amor, etc. etc., não poderia ser o mesmo que dotou o
ser humano do tal livre arbítrio, pela óbvia razão de que há os que não podem
exercer o próprio.
Como assim? Ora, como assim.
Pense em bebês sofrendo horrores nas mãos do ser humano que está, ele sim,
exercendo o tal livre arbítrio. Pense em cãezinhos sendo torturados e mortos.
Amor, bondade, etc. etc.,
simplesmente não comportam a criação de um ser que irá exercer o tal livre
arbítrio voltado para o mal e a destruição à revelia dos que não podem fazer o
mesmo.
De novo: Ou esse Deus quis
que as coisas fossem exatamente assim e, portanto não há nele sequer o senso de
bondade, amor, justiça que tem os seres humanos ou você não tem a menor ideia
de quem ele seria e está perdendo seu tempo e trapaceando seus neurônios por algo que não existe.
Não, não, nada disso.
Não assuma essa atitude
ultrajada, como se eu estivesse espezinhando sua fé, pretendendo tirar de você
o direito à crença, suprimir todas as religiões.
Eu estou me dedicando a
fazer algo que você se recusa a fazer: racionalizar sobre a sua fé. E como
acabo de demonstrar, sob o escrutínio da razão, ela não para em pé. Sinto
muito, não é culpa minha. Como não é de minha responsabilidade que, para
escorar sua fé, você amontoe seus neurônios numa posição em que eles não foram
feitos para ficar. Seus neurônios precisam estar arrumados pela lógica, pela
razão.
De verdade, precisam
mesmo, é assim que o ser humano vem se mantendo nesse meio ambiente tão hostil.
É, esse mesmo que você diz que está sendo destruído pela maldade humana. Antes
de enveredarmos nesta nova senda, permita-me concluir o pensamento anterior.
Como seus neurônios precisam estar numa posição, mas você os quer em outra,
você se obriga a se enganar, vendo lógica e razão em lugares em que estas coisas
jamais estiveram. E porque você está fazendo isso deliberadamente, você fica
nervoso com quem aponta isso. Shame on you
continua no próximo post...

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