É um espanto que a
humanidade tenha sobrevivido até o advento dos hebreus na face da Terra. A
História nos fala de povos mais antigos, mais prósperos, alguns até mais
civilizados. Pelo visto a História mente. Pelo menos de acordo com o cristianismo,
segundo o qual sociedades constituídas sem o elemento civilizador e moralizador
de origem judaico-cristã, logo, de origem hebreia, em pouco tempo se veria
esfacelada, destruída. Nós seres humanos nos lançaríamos á barbárie
desenfreada, mataríamos nossas crianças, nascidas e por nascer, abandonaríamos
nossos velhos para morrer sozinhos, viveríamos num estado de bacanal permanente
e incestuosa, provavelmente faríamos do canibalismo um hábito tão sistemático
que em pouco tempo a espécie humana se teria autodevorado, isso claro se a
matança desenfreada por todo e qualquer motivo não nos extinguisse antes. Por
aí.
Essa “leitura” da História
cai bem em ouvidos incultos e serve á perfeição para aqueles que não sendo
incultos revelam uma inclinação a suprimir evidências em prol do conforto
mental, digamos assim. .
Aí acontece de alguém parar
e pensar e se aprofundar um tantinho nessa questão. E mal se arranha a
superfície, as contradições começam a surgir.
Antes de tudo é preciso
colocar as coisas nos devidos lugares. Quando se fala em civilização
judaico-cristã, fala-se em civilização ocidental. Isto significa falar das
sociedades que foram formadas a partir de uma mescla de vários povos em
estágios diversos de civilização. Romanos, gregos, judeus e o amálgama de povos
originários de várias partes da Europa central, norte e leste, originalmente
denominadas por Júlio César como germanos, resultaram nisto que conhecemos como
civilização ocidental.
Vários conceitos de moral
comportamental reivindicados pelo cristianismo são em sua maioria anteriores a ele.
O cristianismo não inaugurou a civilização moral; nasceu dela e nela; caminhou
par e passo com sua evolução, reproduzindo ou rejeitando valores de acordo com
esta evolução.
Por exemplo, cristãos gostam
de propalar que Jesus Cristo pregou a igualdade entre os seres humanos,
condenou a exploração dos pobres pelos ricos e por extensão inspirou a
solidariedade, como se estivesse inaugurando a prática desses valores. Só que
não.
Na Grécia pré-socrática,
vivendo um momento de crise econômica e de valores morais, em que o acesso a
bens materiais, conhecimento e participação política e religiosa era direito de
uns poucos, enquanto a miséria grassava entre a maior parte da população,
inicia-se um comportamento social baseado em uma maior igualdade entre seus
membros, pela censura à ostentação e pela busca de um modo de ser em que a
cooperação deveria ser mais importante que a ação e a glória individual. Nos
dizeres de Nietzsche “moral de escravos
contraposta à moral da aristocracia, moral de senhores”.
Ou como se vê na resposta de
Esopo a Quílon sobre o que Zeus estaria fazendo:
“Está
humilhando os altivos e exaltando os humildes”.
Quando o Cristo diz: “Os últimos serão primeiros e os primeiros
serão os últimos”; e “Aquele que se
exaltar será humilhado e aquele que se humilhar será exaltado”, não está
fazendo mais que ecoar, ainda que não o saiba, conceitos exprimidos milênios
antes dele.
É por esta altura também que
o homicídio deixa de ser visto como questão de acerto de contas privado e passa
a ser tipificado na legislação como atentado aos interesses sociais.
O cristianismo também gosta de alardear que a instituição da família como a conhecemos hoje se deve ao
advento dos valores cristãos como regra.
Não mesmo. Tácito, em seu Germânia, nos conta como os chamados bárbaros
tinham como um de seus pilares a família, praticando a fidelidade como um valor
fundamental e vendo na mulher um dos sustentáculos tanto do lar quanto da
sociedade. Consideravam ser abomináveis práticas como aborto e eliminação de
recém-nascidos. E isso ainda na época em que não haviam adotado o cristianismo.
Eram também, em seus usos
políticos, muito mais democráticos do que veio a ser a civilização ocidental
quando esteve sob o domínio da Igreja Católica durante a Idade Média.
Aliás, quando se fala sobre
os excessos da cristandade neste período, nas ferrenhas e sanguinárias guerras
muitas vezes fratricidas em que a igreja era parte componente não é raro ver
seus defensores mencionando a forma como essa mesma igreja abriu as portas para
acolher e cuidar dos refugiados.
Isso é verdade, mas é não
menos verdadeiro que uma das partes responsáveis por haver tais refugiados era
a própria igreja em suas disputas de poder, fomentando e patrocinando os
senhores que melhor servissem a seus interesses. Temos então que os cristãos
enxergam virtude na imoralidade. A igreja, primeiro contribuía para que
houvesse desabrigados e em seguida faturava a imagem de anjo benfazejo dos
necessitados.
Sintomático de como o
cristianismo é fruto da moral e dos costumes das sociedades em que se insere é
o começo do próprio cristianismo.
Em seus primórdios sua
conduta está de acordo com o meio no qual prolifera, o dos desvalidos que viviam
em constante conflito com os poderosos. Em oposição ao comportamento licencioso, explorador e perdulário dos ricos, os cristãos primitivos pregam a frugalidade, a
igualdade, e a austeridade de costumes, demarcando nitidamente as fronteiras
entre desvalidos e poderosos. É uma consequência natural que, sendo a antítese dos
opressores, o cristianismo tenha tido sucesso em cooptar os oprimidos.
Notável é que é justamente
essa capacidade de somar e unir que desperta o interesse do poder romano, já em
seus estertores finais, de cooptar por sua vez o cristianismo. E não menos notável
é que tendo ocupado o vácuo de poder deixado pelo Império Romano o cristianismo
rapidamente assimila tudo a que antes se opusera: ganância, ostentação, apego
ao poder, a estratificação social, a exploração dos mais fracos, até o momento
em que, já o próprio cristianismo estando indistinguível do que em seus
primórdios combatera, vemos a evolução dos valores ético-morais interferindo e
obstando os excessos do cristianismo.
Esse período histórico é
bastante didático quanto a demonstrar que não vem do cristianismo nossos
melhores valores.
A escravidão é outro ponto
em que a moral cristã como valor fundamental vê-se na berlinda.
Enquanto a escravidão foi
prática corrente na civilização ocidental também a igreja fez uso dela. O fato
de haver, entre membros do clero, aqueles que se revoltavam contra a
imoralidade de comerciar seres humanos e submetê-los a todas as indignidades e maus-tratos
– decorrentes em boa parte da desumanização a que se reduz homens e mulheres
quando são transformados em mercadoria – diz muito bem sobre a noção inerente e
individual das pessoas sobre o que seja moral ou imoral. E depõe fortemente
contra a igreja cristã enquanto geradora e mantenedora de valores morais
fundamentais.
Estes são apenas alguns
exemplos que contradizem frontalmente os cristãos.
Resta meditar se é razoável aceitar
que o cristianismo, como um valor em si, se apresente como fonte e mantenedor
da moral e da ética da civilização ocidental quando é evidente que o que fez foi
uma apropriação, tornada indébita por reivindicar
primazia, de usos, valores e costumes, quando lhe foi conveniente.
Ou se é razoável ignorar que o cristianismo, como todas as instituições, é fruto da evolução humana. Nessa condição tanto é formada por boas pessoas e bons valores, quanto por maus valores e más pessoas. E que sendo a natureza humana o que é, mais fácil é que os valores negativos predominem, já que necessitam das fragilidades humanas para prosperar. E como somos frágeis!
Tendo em vista que esse texto sob certos aspectos trata dos predadores da espécie humana, nada mais adequado que escrevê-lo ao som de Locust do álbum Unto the Locust, Machine Head.
Perfeito o texto
ResponderExcluir