sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Da Natureza do Crente e da Natureza de Deus. Ou: Um Hino à Morte.




Como ateia que sou não posso deixar de analisar a personalidade dos crentes sempre que estes alegam serem detentores de uma suposta superioridade moral quando confrontados com os ateus. Superioridade esta que se baseia no fato de eles dizerem que acreditam num criador e os ateus não. Eu os dividi em alguns tipos para melhor caracterizá-los.  Antecipo que considero ser toda a teorização crente sobre a figura Deus, a busca de um único objetivo: aplacar o medo de sofrer e de morrer, comum a todos os seres humanos.

Há o tipo que tanto mais estará próximo dos melhores valores humanos quanto mais distante estiver mental, emocional e culturalmente da figura bestial e primitiva a quem denominam Deus e no qual dizem acreditar.  
Para esses a figura Deus funciona como um placebo: nos momentos em que têm de lidar com as vicissitudes da vida, lembram-se da possibilidade de, em algum lugar, existir algum ser que se preocupa com a condição humana e isto lhes basta para seguir em frente.

Há o tipo que se ancora basicamente nos rituais da religião, para o qual as figuras de Deus e Jesus funcionam meramente como pretexto para a manutenção da religião. Esse tipo é mais facilmente encontrado na Igreja Católica.

Há o tipo que podemos denominar neocrente. É a pessoa que passa a vida se dizendo ateu, mas que quando se defronta com a própria mortalidade, seja por doença ou velhice, escolhe se refugiar na possibilidade de que a morte não seja o fim. Desses podemos dizer, parafraseando La Rochefoucauld, que obrigam a virtude a prestar homenagem ao vício.
Esses tipos todos tem em comum o fato de nunca se ocuparem da natureza de Deus. Isto quer dizer que não se detêm analisando-a de muito perto; esta natureza é inconciliável com os já mencionados melhores valores humanos. Limitam-se a usar o conforto da ideia de que há alguém interessado neles durante esta vida e que providenciará um pós-morte pleno de delícias como recompensa por seus pesares enquanto estiveram vivos.

Há dois tipos, no entanto, que merecem uma observação mais atenta.
O primeiro é aquele que está sempre falando do amor de Deus como algo que realmente exista. São normalmente encontrados entre os fundamentalistas de qualquer denominação religiosa. Ao defenderem todas as ações da figura bíblica Deus, caracterizando-as como expressões do amor dele, não estão preocupados com a verdade ou qualquer estado de verossimilhança. É necessário considerar que esse tipo está conscientemente defendendo um, digamos assim, ideal. Toda a violência, a bestialidade, a crueldade intolerante daquele personagem do Antigo Testamento condiz à perfeição com a índole desses tipos, pois eles formam entre os predadores da humanidade. Falar do amor de Deus é a forma que encontram para encobrir sua própria personalidade; não fora a consciência de que seriam execrados por todas as pessoas de bem, não hesitariam em destruir todos que de qualquer forma não se enquadrem em sua mentalidade. Isso quando estamos falando de cristãos. Os fundamentalistas islâmicos, entre alguns outros, não se pejam por tão pouco.

O segundo tipo também merece atenção, por dois motivos: por ser legião e por ser formada por covardes morais.
Esse tipo está perfeitamente cônscio da natureza da figura Deus, tanto que não conseguiu conciliar sua própria e inerente noção de moralidade com a natureza desse Deus.
O que faz então é tentar se convencer – e no processo se esforçar por convencer os outros – de que é necessário contextualizar e interpretar o Antigo Testamento, enquanto ao mesmo tempo procura recriar o deus em que precisa acreditar na figura de Jesus.
É só por necessidade que ainda admitem a paternidade do novo deus, Jesus, já que ainda não encontraram uma maneira convincente de dissocia-lo da figura sanguinária que é Deus. Todo o esforço esquizofrênico a que se dedicam é motivado por sua incapacidade de aceitar que na ordem geral das coisas a natureza nos é completamente indiferente como indivíduos e de que nela nossa morte é necessária, já que precisamos abrir espaço para a renovação da espécie.
Para esse tipo de crente esse conhecimento é tão insuportável que paradoxalmente dedicam suas vidas à morte, por meio da crença irracional de que ao se submeterem aos ditames inspirados por uma coleção de escritos produzidos a partir da mentalidade de seres humanos primitivos estarão conquistando a imortalidade.
Embora tentem interpretar, contextualizar e recriar o deus de suas necessidades e medos, não podem escapar do fato de que é ao deus do Antigo Testamento que se curvam.
São covardes morais, porque abrem mão do entendimento do que seja certo, moral, ético, em nome de seu medo de morrer.




No meio disso tudo, o que são os ateus? São aqueles que decidiram se responsabilizar por suas próprias ações e decisões e lidar realisticamente com suas aflições e medos.

Esse texto foi escrito ao som de Hallowed be thy name, do álbum The Number of the Beast , Iron Maiden,  por caracterizar muito bem a utilidade da ideia Deus frente à proximidade da morte.

7 comentários:

  1. Muito bem colocadas, as suas ideias. E eu gostaria de dizer, como uma pessoa que já buscou acreditar em diversos deuses, que a vida sem eles é bem mais fácil!

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  2. Olá, S. Rodrigues. Há ateus e ateus. Nem todos são tão racionais como você nem tão altruístas, com um forte sentido de solidariedade. Há os que não se importam nada com o seu semelhante, que pisam, pisam, são ateus porque sim, são ateus porque o materialismo tem um apelo muito grande. Existem é pessoas, cada uma com a sua personalidade, os seus exemplos familiares, as suas vivências, as suas tragédias. Eu, como ateia, sinto-me muito triste por o ser. Mas não estou criticando as suas ideias, estou apenas conversando. Uma boa noite para si.

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  3. Olá Maria

    Parece-me que há uma confusão no seu pensamento entre conceitos distintos, a saber, ausência de valores ético-morais e ausência da crença em deuses. Uma pessoa pode professar crença num deus e mesmo assim não observar valores que são caros à sociedade. A maioria dos atos condenáveis aliás, são cometidos por pessoas que creem em Deus. Com isso não estou dizendo que ateus estejam isentos dessas práticas negativas, é claro. Como você mesma diz, há pessoas e pessoas.
    Lamento que você sinta-se triste por ser ateia e não sei se chego a compreender as possíveis razões.
    Mas obrigada por ler e comentar. Um abraço.

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  4. Shirley
    Gostei do resultado do resultado lógico das suas observações em relação as pessoas que se agarram a uma infinidade de deuses pelo fato de terem medo da morte e, os crentes mais ainda porque existe a promessa de que depois da morte física eles terão chance de continuar vivos ao lado do seu Deus num lugar especial reservado para quem o adorou em vida terrena.
    Parabéns pelo seu espaço muito bem elaborado. Gostei da sua imagem pessoal você é muito bonita.
    Obrigada pelo link do Ponderável, espero melhorar cada vez mais.
    Um abraço

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  5. Ana

    Prazer ter você aqui! Estou à espera de mais textos seus, gosto muito da sua maneira de abordar vários aspectos da crença, sempre fazendo jus ao nome do seu blog.

    Quanto a minha aparência, foi apenas um momento de feliz conjunção de luz e ângulo certos, até eu fiquei surpresa...rsrsrrs
    Seu link foi dos primeiros que coloquei, já estava nos favoritos do meu navegador. E obrigada a você por visitar o meu canto e ser tão generosa em suas palavras.

    Abraços!

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  6. Eu acredito em Deus e não vejo problema algum em você acreditar ou não.Cada uma faz sua escolha e que seja feliz com ela .Um índio no Brasil ou em qualquer outra parte do planeta ,povos da estepe na Mongólia ou no interior da China .Todos fazemos escolhas diariamente em todos os aspectos da vida.O que cada crença acrescenta e neste ponto somos todos crentes ,pois acreditamos em nossas convicções religiosas,políticas ,ideológicas ou sociais,temos planos ,objetivos e metas e acreditamos em poder realizar isso também.Em tudo no entanto,há uma coisa comum e não podemos negar...somos todos membros de uma mesma raça e se nos diferenciamos pelo que somos, pelo que pensamos ,não podemos negar que somos feitos da mesma matéria .Porque ao invés de ficarmos discutindo quem está certo ou não ...não miramos a busca de solução para os problemas que a humanidade tem em comum...tanto os crentes seja no que for ,tanto os ateus .

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    1. J.Alberto

      Nem eu veria problema algum em que as pessoas creiam em Deus, desde que, como foi explicitado no início do texto, não houvessem aquelas que se pretendam superiores moralmente àqueles que não creem. E ainda há que considerar não ser este um aspecto único na questão, relativamente ao modo como ateus são vistos por por muitos crentes.

      Faço também um reparo acerca de todos sermos crentes nalguma coisa. Embora a palavra "crença" seja usualmente aplicada nos sentidos em que você expõe, quando nos atemos à objetividade nem sempre ela é aplicável.

      Como você diz, somos todos da mesma espécie com diferenças individuais. E são estas diferenças que geram as discussões, uma vez que muitos não toleram que...existam diferenças. Pessoalmente eu acho que mirar nos problemas que a humanidade tem em comum é algo próximo do utópico. Não podemos, por maior grau de civilização e civilidade a que possamos chegar, escapar da nossa condição.

      Obrigada pela visita e espero que volte outras vezes.

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