segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Te Odeio. Mas Não Te Largo.


Uma discussão com um forista no blog DeusIlusão sobre ateus serem ou não capazes de solidariedade trouxe à tona a figura de Bill Gates e a Microsoft.
Sustentava, esse forista, que todos os milhões doados pela Fundação Bill e Melinda Gates não tem qualquer valor. E não tem qualquer valor porque Bill Gates é podre de rico, tendo amealhado sua fortuna por meio de práticas ilegais como o monopólio do mercado de informática.
O tal forista apresenta-se como liberal mas seu discurso nada fica a dever a um Rui Falcão da vida.
Duas coisas me chamaram atenção nesse debate que esteve muito mais para bate-boca (é difícil manter alguma elegância lidando com certos tipos...).
A primeira:
não é a toa que a esquerda vem, há muitos anos, conquistando corações e mentes. Seu segredo é apelar aos baixos instintos humanos e a inveja rancorosa está no rol. No caso, inveja rancorosa que muita gente por aí nutre pela riqueza e sucesso de Gates, ás vezes sem nem perceber “o que está pegando”.
A segunda:
do jeito que todo mundo esperneia contra Bill Gates e contra a Microsoft, um desavisado bem poderia pensar que sistemas operacionais para Pcs são gênero de primeira necessidade. É como se Gates tivesse açambarcado o estoque mundial de trigo e comprado todo o mercado futuro do produto.

O “argumento” inicial para esse quase-ódio-quase-universal contra a Microsoft é que a empresa teria violado leis anti-truste ao instalar, ou colocar ou que seja, o Internet Explorer como nativo do sistema porque assim o usuário, o dono do pc, iria exercer seu direito de optar pela praticidade ao invés de considerar melhor se dar o trabalho de comprar o outro navegador então disponível, o Netscape. Gente, façam-me o favor! Nem todo mundo está a fim de sair experimentando coisas, "interneticamente" falando. Eu conheço gente que comprou pc com Windows XP trocentos anos atrás e não mudou nem a tela inicial de lá para cá. Olha o tamanho da intromissão na vida das pessoas... Se o cidadão quer usar o mesmo navegador eternidade afora, o problema é dele, ele é o dono do pc. E mesmo assim, de lá para cá quantos navegadores surgiram à disposição de quem queira? De estalo já conto três: Firefox, Opera, Chrome, só os mais populares. O Firefox na verdade é uma boa consequência da tal ação anti-truste da Microsoft, já que a Netscape por fim abriu o código-fonte de seu navegador e disponibilizou-o gratuitamente para usuários e desenvolvedores, sendo que atualmente o Firefox é o segundo navegador mais utilizado no mundo.
De modos que esse é um caso de que entre mortos e feridos, salvaram-se todos nós usuários de internet.

Afinal de contas, qual foi o crime da Microsoft? Foi criar e disponibilizar um sistema operacional ao alcance da patuléia, em termos de preços e manuseabilidade. Que o diga esta representante da patuléia aqui.
Quando comprei meu primeiro pc, um XP Starter Edition com processador Celeron D, 40gb de Hd e memória RAM de 128mb, internet discada (vixe, pré-história!), tudo que sabia sobre o bicho era que tinha de por o plugue na tomada.
Matei aquele pobre coitado daquele pc, pois aprendi tudo sobre esses assuntos de informática básica fuçando nele.
Aliás, sempre considerei o Windows bem amigável, ao contrário de muita gente que o chama de ruindows. Aprendi muito com  ele, tanto que hoje em dia só levo meu pc ao técnico se o problema for físico. Tudo que diga respeito a software faço eu mesma.
Nunca me senti impedida de usar softwares de terceiros; quando algum teima comigo, lá me vou aos fóruns especializados e ainda não houve vez em que não resolvesse problemas de incompatibilidade e isso que sou do tipo espírito aventureiro, adoro novidades. Só os reprodutores de vídeo, se não experimentei todos cheguei perto.
Acho que uma parte da birra do povo com o Windows é preguiça de pesquisar para ao menos tentar resolver o problema.
E a outra parte, bem maior, é, sinto muito ladies and gentlemens, inveja do sucesso alheio.

E uma nota de pé de página: ainda que a Microsoft fosse a vilã da estória, não seria vilã sozinha. O Windows é caro; o Linux é de graça. Cadê que o povo está usando o Linux em qualquer das distros por aí a rodo, como usam Windows?
A lógica de mercado é a lógica de mercado. Se todo mundo só usa Windows, os desenvolvedores de softwares vão desenvolver produtos para Windows. Uma das coisas que impedem as pessoas de migrarem para Linux é uma suposta dificuldade de lidar com o sistema. Até pode ter sido verdade em tempos de antanho, não é mais. Outra é que vários programas e jogos não rodam em Linux. Nem isso é mais tão verdade assim e à medida que mais gente passe a usar esse sistema os desenvolvedores vão trabalhar com Linux também.
Recentemente instalei o Ubuntu (uma das distibuições, ou versões, Linux) e todo trabalho que tive foi gravar a imagem ISO disponibilizada no site* e usá-la para instalar o novo sistema, tarefa para a qual só precisei ler alguns tutoriais** e baixar um programa*** que grava ISO em dvd. Fiquei surpresa, o Ubuntu é ainda mais fácil de lidar que o Windows.
É isso, povo: se não gostam da Microsoft, parem de usar o sistema operacional dela, ao invés de ficar com essa hipocrisia toda. 

para fazer download do Ubuntu:  http://ubuntu-br.org/download 

 

** site com tutorial de instalação do Ubuntuhttp://canaltech.com.br/tutorial/linux/Guia-como-instalar-o-Ubuntu-Linux/  

 

*** tutorial de uso do gravador de imagem ISO  ImgBurn com link para baixar o programa:  http://www.baboo.com.br/tutorial/tutorial-imgburn/

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Eu, os Gibis,os Livros e a Moça do Ponto de Ônibus



Um hábito arraigado que tenho é levar comigo, para qualquer lugar que vá, um livro. Leio em todos os lugares e momentos possíveis: filas de banco, salas de espera, se for preciso ir a pé a algum lugar e a distância é um tanto quanto longa, em pontos de ônibus...
E foi no ponto em que espero o ônibus para ir para o trabalho que travei uma conversa bem interessante e que me fez pensativa sobre uma das características deletérias desse nosso povo brasileiro.

Lá estou eu, entretida com meu livro. Chega uma moça que usa o mesmo ônibus e sem mais aquela me diz:

Vi você outro dia quando estava no ônibus. Até te apontei pra minha colega e a gente caiu na risada por que ela disse que você ia acabar dando uma boa topada e batendo a cara numa árvore! Daí eu falei pra ela que você está sempre com a cara enfiada num livro. O que é que você tanto lê?

Inspirada por meu espírito de porco que sempre fica mais saliente quando sou abordada por completos estranhos agindo com a intimidade de velhos conhecidos considerei seriamente mostrar a peça que tinha em mãos e soletrar a palavra livro. Ué? Não era óbvio?
Como meu espírito de porco já foi meio domesticado – confesso, custou-me bom esforço domesticá-lo – eu mais ou menos sorri e respondi que era um romance.
Ela se entusiasmou e quis saber se a história “era bonita” e eu respondi que não era esse tipo de história; como ela insistisse tentei explicar, mas como se explica A Revolta de Atlas (Ayn Rand)  para quem gosta de “histórias bonitas”?
Muito indignada ela ficou, ainda mais quando me perguntou se faltava muito para terminar e eu respondi que sim, aquele ainda era o volume dois, há um terceiro. 

Três? Três tijolos desses e nem é legal? Que graça você vê nisso? Pra quê você lê isso?
Não a satisfez a resposta de que leio porque gosto. Ela perdeu o interesse por mim e meu livro (ufa!), mas eu ganhei material para pensar no trajeto e até pelo resto do dia.
Primeiro investiguei a minha pessoa. Eu fora preconceituosa? Estava sendo ainda? Afinal, ninguém tem obrigação de ler as mesmas coisas que eu e gostar de histórias bonitas não é errado, eu também gosto. Ainda esses dias vi um filme de história bonita – Um Sonho Possível – e verti as lágrimas de praxe.

Acabei por concluir que sou sim um tanto preconceituosa, mas há atenuantes.
Minhas primeiras leituras foram gibis. Os inevitáveis Turma da Mônica e Disneys a princípio, mas logo tive minha atenção voltada para outros tipos de gibis, quando minha família veio para a cidade em que moro até hoje e fomos morar num sítio cujos vizinhos, um bando de rapazes, liam coisas como Tex,  Zagor, Ken Parker, Homem Aranha, X-Men. Eles às vezes nos davam o que não queriam mais ler, outras vezes nós – eu e meus irmãos – juntávamos o pouco que dava e caminhávamos uns bons quilômetros até a feira da cidade para comprar e trocar, na base do dois por um, os gibis que necessitávamos. Algumas vezes eu ganhava gibis na escola por...serviços prestados. Isso é um eufemismo para fazer a lição de alguns coleguinhas. Mas eu me desculpo dizendo que trabalho é trabalho e precisa ser pago. Eu era muito cara-de-pau  pragmática...

E foi lendo gibis que comecei a me interessar por outro tipo de material de leitura. Mais precisamente, com três estórias. Duas em Ken Parker  e uma em Tex.

A primeira, Chemako, contava um episódio em que Ken Parker, trabalhando como scout para o exército americano é atacado, juntamente com o destacamento que guiava, por um bando de índios; leva uma pancada na cabeça e perde a memória. Os índios vencem aquela escaramuça e fazem prisioneiros, Ken entre eles. A mulher de um oficial do exército também é feita prisioneira e acaba se envolvendo com o chefe da tribo e engravidando dele. Tanto ela quanto Ken passam a viver como membros da tribo e estão felizes com isso até que o oficial, procurando a esposa, cai sobre a aldeia e dizima quase todo mundo num ataque brutal. A esposa índia de Ken, grávida, e o chefe da a tribo estão entre os mortos. A mulher do oficial volta para a 'civilização' e passa a ser hostilizada por ter tido um filho pele-vermelha. No meio disso tudo Ken leva outra pancada na cabeça, recupera a memória e sofre horrores por ver a brutalidade e carnificina cometidas por seus compatriotas, além da perda da esposa e do filho não nascido, claro. (E olha uma "história bonita' aí...).





Essa estória me despertou para a possibilidade de que a imagem que eu tinha dos índios americanos não fosse exatamente verdadeira, mas mais que isso, me fez pensar que pode haver mais de um lado numa situação. Procurando mais informações sobre índios americanos acabei conhecendo o processo de colonização das Américas e descobri que há mais conhecimento disponível sobre os índios dos EUA do que sobre os do Brasil...

A segunda estória chamava-se Adah e falava da vida de uma escrava americana. Essa me fez ter curiosidade sobre a escravidão, tanto lá como cá. Assim eu descobri Negras Raízes, de Alex Haley, aprendi sobre o processo de escravização de africanos, sobre mercantilismo, a História da Inglaterra, da Holanda, de Portugal, da Espanha... e também que é possível saber muito mais da escravidão nos EUA do que sobre a escravidão no Brasil.

A outra estória, essa em Tex, chamada Juramento de Vingança, tratava da vingança que Tex exerceu contra os culpados pela morte de sua mulher, a navajo Lírio Branco. Ela e muita gente da tribo morreram devido ao contágio do vírus da varíola, levado á tribo em cobertores que eram parte do material que o governo americano entregava aos índios nas reservas, cuja contaminação foi intencional, por parte de uns especuladores de terra, para forçar os navajos levantarem a machadinha de guerra contra o governo americano e assim beneficiar os tais especuladores, com a consequente expulsão dos índios daquela reserva.

Só com esta estória acabei sendo levada a aprender um monte de coisas, por exemplo, como foi a conquista do Oeste americano, com suas variantes, causas e consequências. Aprendi sobre o Sul dos EUA, a cultura do algodão, as causas da Guerra de Secessão. Ah é. Aprendi também que há muito mais conhecimento disponível sobre a História dos EUA que sobre a História do Brasil.

Como uma coisa sempre leva a outra, a cada assunto que esclarecia me via às voltas com mais conexões históricas e claro que tinha de ir atrás.
Assim meu interesse pela leitura foi se desenvolvendo e aprimorando. Já li tanto que na biblioteca da minha cidade praticamente não há mais livros que eu não tenha lido. E como me diverti ao longo desses anos!

E essa é minha atenuante: eu me esforço por entender uma pessoa que fica indignada com uma história que ‘não é legal’ e que tem três volumes. Tento entender pois sei que essa pessoa bem provavelmente não teve contato com a leitura, lá na infância, que é quando a gente pode iniciar um relacionamento com os livros de uma forma tão envolvente que fica para a vida toda.
E fico desolada e desanimada quando penso nos milhões de crianças que não estão lendo e na forma como isso vai se refletir no futuro do nosso Brasil. Em como tem se refletido, aliás. É por sermos um país de iletrados, de incultos, que a escumalha sente-se tão à vontade para tripudiar sobre nossas vidas, dia sim outro também, com suas mentiras e manipulações.

Fico pensando que se as escolas começassem a ter como parte componente da grade curricular a leitura de gibis de vários tipos, uma aula só para isso, e que se houvesse um planejamento para a evolução paulatina, em todas as séries, do tipo de literatura oferecida, com o cuidado de observar quem tende a se interessar pelo quê, em não muito tempo teríamos uma nação de leitores.
Livros significam conhecimento; conhecimento significa pensamento crítico. A partir daí aumentam as chances de haver pessoas interessadas nas coisas que acontecem em seu país e em como elas acontecem. Quanto mais leitores, mais pensamento crítico, quanto mais pensamento crítico, mais cobranças, do tipo fundamentado, não do tipo arruaça por vinte centavos, bem entendido.
Ah bem. Hoje estou utópica.

E para suavizar o laivo de desânimo, nada como um excelente álbum, que não tem nada a ver com o assunto em pauta, mas que é tão bom que serve para qualquer ocasião: Bag of Bones Europe

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Sepulcro caiado


É um espanto que a humanidade tenha sobrevivido até o advento dos hebreus na face da Terra. A História nos fala de povos mais antigos, mais prósperos, alguns até mais civilizados. Pelo visto a História mente. Pelo menos de acordo com o cristianismo, segundo o qual sociedades constituídas sem o elemento civilizador e moralizador de origem judaico-cristã, logo, de origem hebreia, em pouco tempo se veria esfacelada, destruída. Nós seres humanos nos lançaríamos á barbárie desenfreada, mataríamos nossas crianças, nascidas e por nascer, abandonaríamos nossos velhos para morrer sozinhos, viveríamos num estado de bacanal permanente e incestuosa, provavelmente faríamos do canibalismo um hábito tão sistemático que em pouco tempo a espécie humana se teria autodevorado, isso claro se a matança desenfreada por todo e qualquer motivo não nos extinguisse antes. Por aí.

Essa “leitura” da História cai bem em ouvidos incultos e serve á perfeição para aqueles que não sendo incultos revelam uma inclinação a suprimir evidências em prol do conforto mental, digamos assim. .
Aí acontece de alguém parar e pensar e se aprofundar um tantinho nessa questão. E mal se arranha a superfície, as contradições começam a surgir.

Antes de tudo é preciso colocar as coisas nos devidos lugares. Quando se fala em civilização judaico-cristã, fala-se em civilização ocidental. Isto significa falar das sociedades que foram formadas a partir de uma mescla de vários povos em estágios diversos de civilização. Romanos, gregos, judeus e o amálgama de povos originários de várias partes da Europa central, norte e leste, originalmente denominadas por Júlio César como germanos, resultaram nisto que conhecemos como civilização ocidental.

Vários conceitos de moral comportamental reivindicados pelo cristianismo são em sua maioria anteriores a ele. O cristianismo não inaugurou a civilização moral; nasceu dela e nela; caminhou par e passo com sua evolução, reproduzindo ou rejeitando valores de acordo com esta evolução.

Por exemplo, cristãos gostam de propalar que Jesus Cristo pregou a igualdade entre os seres humanos, condenou a exploração dos pobres pelos ricos e por extensão inspirou a solidariedade, como se estivesse inaugurando a prática desses valores. Só que não.
Na Grécia pré-socrática, vivendo um momento de crise econômica e de valores morais, em que o acesso a bens materiais, conhecimento e participação política e religiosa era direito de uns poucos, enquanto a miséria grassava entre a maior parte da população, inicia-se um comportamento social baseado em uma maior igualdade entre seus membros, pela censura à ostentação e pela busca de um modo de ser em que a cooperação deveria ser mais importante que a ação e a glória individual. Nos dizeres de Nietzsche “moral de escravos contraposta à moral da aristocracia, moral de senhores”.
Ou como se vê na resposta de Esopo a Quílon sobre o que Zeus estaria fazendo:
 “Está humilhando os altivos e exaltando os humildes”.
Quando o Cristo diz: “Os últimos serão primeiros e os primeiros serão os últimos”; e “Aquele que se exaltar será humilhado e aquele que se humilhar será exaltado”, não está fazendo mais que ecoar, ainda que não o saiba, conceitos exprimidos milênios antes dele.
É por esta altura também que o homicídio deixa de ser visto como questão de acerto de contas privado e passa a ser tipificado na legislação como atentado aos interesses sociais.

O cristianismo também gosta de alardear que a instituição da família como a conhecemos hoje se deve ao advento dos valores cristãos como regra.
Não mesmo. Tácito, em seu Germânia, nos conta como os chamados bárbaros tinham como um de seus pilares a família, praticando a fidelidade como um valor fundamental e vendo na mulher um dos sustentáculos tanto do lar quanto da sociedade. Consideravam ser abomináveis práticas como aborto e eliminação de recém-nascidos. E isso ainda na época em que não haviam adotado o cristianismo.
Eram também, em seus usos políticos, muito mais democráticos do que veio a ser a civilização ocidental quando esteve sob o domínio da Igreja Católica durante a Idade Média.

Aliás, quando se fala sobre os excessos da cristandade neste período, nas ferrenhas e sanguinárias guerras muitas vezes fratricidas em que a igreja era parte componente não é raro ver seus defensores mencionando a forma como essa mesma igreja abriu as portas para acolher e cuidar dos refugiados.
Isso é verdade, mas é não menos verdadeiro que uma das partes responsáveis por haver tais refugiados era a própria igreja em suas disputas de poder, fomentando e patrocinando os senhores que melhor servissem a seus interesses. Temos então que os cristãos enxergam virtude na imoralidade. A igreja, primeiro contribuía para que houvesse desabrigados e em seguida faturava a imagem de anjo benfazejo dos necessitados.

Sintomático de como o cristianismo é fruto da moral e dos costumes das sociedades em que se insere é o começo do próprio cristianismo.
Em seus primórdios sua conduta está de acordo com o meio no qual prolifera, o dos desvalidos que viviam em constante conflito com os poderosos. Em oposição ao comportamento licencioso, explorador e perdulário dos ricos, os cristãos primitivos pregam a frugalidade, a igualdade, e a austeridade de costumes, demarcando nitidamente as fronteiras entre desvalidos e poderosos. É uma consequência natural que, sendo a antítese dos opressores, o cristianismo tenha tido sucesso em cooptar os oprimidos.
Notável é que é justamente essa capacidade de somar e unir que desperta o interesse do poder romano, já em seus estertores finais, de cooptar por sua vez o cristianismo. E não menos notável é que tendo ocupado o vácuo de poder deixado pelo Império Romano o cristianismo rapidamente assimila tudo a que antes se opusera: ganância, ostentação, apego ao poder, a estratificação social, a exploração dos mais fracos, até o momento em que, já o próprio cristianismo estando indistinguível do que em seus primórdios combatera, vemos a evolução dos valores ético-morais interferindo e obstando os excessos do cristianismo.
Esse período histórico é bastante didático quanto a demonstrar que não vem do cristianismo nossos melhores valores.

A escravidão é outro ponto em que a moral cristã como valor fundamental vê-se na berlinda.
Enquanto a escravidão foi prática corrente na civilização ocidental também a igreja fez uso dela. O fato de haver, entre membros do clero, aqueles que se revoltavam contra a imoralidade de comerciar seres humanos e submetê-los a todas as indignidades e maus-tratos – decorrentes em boa parte da desumanização a que se reduz homens e mulheres quando são transformados em mercadoria – diz muito bem sobre a noção inerente e individual das pessoas sobre o que seja moral ou imoral. E depõe fortemente contra a igreja cristã enquanto geradora e mantenedora de valores morais fundamentais.

Estes são apenas alguns exemplos que contradizem frontalmente os cristãos.
Resta meditar se é razoável aceitar que o cristianismo, como um valor em si, se apresente como fonte e mantenedor da moral e da ética da civilização ocidental quando é evidente que o que fez foi uma apropriação, tornada  indébita por reivindicar primazia, de usos, valores e costumes, quando lhe foi conveniente.

Ou se é razoável ignorar que o cristianismo,  como todas as instituições, é fruto da evolução humana. Nessa condição tanto é formada por boas pessoas e bons valores, quanto por maus valores e más pessoas. E que sendo a natureza humana o que é, mais fácil é que os valores negativos predominem, já que necessitam das fragilidades humanas para prosperar. E como somos frágeis!



Tendo em vista que esse texto sob certos aspectos trata dos predadores da espécie humana, nada mais adequado que escrevê-lo ao som de Locust do álbum Unto the Locust, Machine Head.











sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Da Natureza do Crente e da Natureza de Deus. Ou: Um Hino à Morte.




Como ateia que sou não posso deixar de analisar a personalidade dos crentes sempre que estes alegam serem detentores de uma suposta superioridade moral quando confrontados com os ateus. Superioridade esta que se baseia no fato de eles dizerem que acreditam num criador e os ateus não. Eu os dividi em alguns tipos para melhor caracterizá-los.  Antecipo que considero ser toda a teorização crente sobre a figura Deus, a busca de um único objetivo: aplacar o medo de sofrer e de morrer, comum a todos os seres humanos.

Há o tipo que tanto mais estará próximo dos melhores valores humanos quanto mais distante estiver mental, emocional e culturalmente da figura bestial e primitiva a quem denominam Deus e no qual dizem acreditar.  
Para esses a figura Deus funciona como um placebo: nos momentos em que têm de lidar com as vicissitudes da vida, lembram-se da possibilidade de, em algum lugar, existir algum ser que se preocupa com a condição humana e isto lhes basta para seguir em frente.

Há o tipo que se ancora basicamente nos rituais da religião, para o qual as figuras de Deus e Jesus funcionam meramente como pretexto para a manutenção da religião. Esse tipo é mais facilmente encontrado na Igreja Católica.

Há o tipo que podemos denominar neocrente. É a pessoa que passa a vida se dizendo ateu, mas que quando se defronta com a própria mortalidade, seja por doença ou velhice, escolhe se refugiar na possibilidade de que a morte não seja o fim. Desses podemos dizer, parafraseando La Rochefoucauld, que obrigam a virtude a prestar homenagem ao vício.
Esses tipos todos tem em comum o fato de nunca se ocuparem da natureza de Deus. Isto quer dizer que não se detêm analisando-a de muito perto; esta natureza é inconciliável com os já mencionados melhores valores humanos. Limitam-se a usar o conforto da ideia de que há alguém interessado neles durante esta vida e que providenciará um pós-morte pleno de delícias como recompensa por seus pesares enquanto estiveram vivos.

Há dois tipos, no entanto, que merecem uma observação mais atenta.
O primeiro é aquele que está sempre falando do amor de Deus como algo que realmente exista. São normalmente encontrados entre os fundamentalistas de qualquer denominação religiosa. Ao defenderem todas as ações da figura bíblica Deus, caracterizando-as como expressões do amor dele, não estão preocupados com a verdade ou qualquer estado de verossimilhança. É necessário considerar que esse tipo está conscientemente defendendo um, digamos assim, ideal. Toda a violência, a bestialidade, a crueldade intolerante daquele personagem do Antigo Testamento condiz à perfeição com a índole desses tipos, pois eles formam entre os predadores da humanidade. Falar do amor de Deus é a forma que encontram para encobrir sua própria personalidade; não fora a consciência de que seriam execrados por todas as pessoas de bem, não hesitariam em destruir todos que de qualquer forma não se enquadrem em sua mentalidade. Isso quando estamos falando de cristãos. Os fundamentalistas islâmicos, entre alguns outros, não se pejam por tão pouco.

O segundo tipo também merece atenção, por dois motivos: por ser legião e por ser formada por covardes morais.
Esse tipo está perfeitamente cônscio da natureza da figura Deus, tanto que não conseguiu conciliar sua própria e inerente noção de moralidade com a natureza desse Deus.
O que faz então é tentar se convencer – e no processo se esforçar por convencer os outros – de que é necessário contextualizar e interpretar o Antigo Testamento, enquanto ao mesmo tempo procura recriar o deus em que precisa acreditar na figura de Jesus.
É só por necessidade que ainda admitem a paternidade do novo deus, Jesus, já que ainda não encontraram uma maneira convincente de dissocia-lo da figura sanguinária que é Deus. Todo o esforço esquizofrênico a que se dedicam é motivado por sua incapacidade de aceitar que na ordem geral das coisas a natureza nos é completamente indiferente como indivíduos e de que nela nossa morte é necessária, já que precisamos abrir espaço para a renovação da espécie.
Para esse tipo de crente esse conhecimento é tão insuportável que paradoxalmente dedicam suas vidas à morte, por meio da crença irracional de que ao se submeterem aos ditames inspirados por uma coleção de escritos produzidos a partir da mentalidade de seres humanos primitivos estarão conquistando a imortalidade.
Embora tentem interpretar, contextualizar e recriar o deus de suas necessidades e medos, não podem escapar do fato de que é ao deus do Antigo Testamento que se curvam.
São covardes morais, porque abrem mão do entendimento do que seja certo, moral, ético, em nome de seu medo de morrer.




No meio disso tudo, o que são os ateus? São aqueles que decidiram se responsabilizar por suas próprias ações e decisões e lidar realisticamente com suas aflições e medos.

Esse texto foi escrito ao som de Hallowed be thy name, do álbum The Number of the Beast , Iron Maiden,  por caracterizar muito bem a utilidade da ideia Deus frente à proximidade da morte.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Preço da Anomia Brasileira é a Vida dos Inocentes.

Nós, povo brasileiro, permitimos isso:






Que estes marginais baderneiros, feras em forma humana, saíssem às ruas e impusessem sua violência, impunemente. Alguns dentre nós disseram que eles nos representavam.

O resultado é este:






domingo, 9 de fevereiro de 2014

In Memoriam.

Há uns anos atrás tive um blog. Às tantas, num acesso de maus bofes deletei o bicho, com tudo dentro. É pena. Escrevi nele um texto que acabou se revelando exato. Falava do Luís Inácio da Silva, vulgo Lula e vulgarmente ex-presidente deste ambiente a que chamamos Brasil.
Lá eu dizia que o Brasil estava sofrendo de uma séria doença, naquele momento em fase aguda mas com forte tendência de vir a se tornar crônica. O nome da doença era Lulopetismo, e a única esperança de cura era a extirpação do agente provocador de toda a vida pública e privada brasileira. Caso contrário assistiríamos a uma escalada de inversão de valores da qual dificilmente iríamos nos recuperar.
Escrevi, naquela época, que já era visível a forma como estávamos nos tornando insensíveis a coisas que deveriam nos horrorizar e indignar. Naquela ocasião ainda estava meio imersa nos vapores da ilusão de que os brasileiros eram melhores que o lulopetismo. 
Ah, bem, tirando as poucas exceções à regra, não parecemos ser. O fato de Luís Inácio ter sido reeleito, ter eleito a DilmAnta e o prefeito de São Paulo, de lá para cá, indica isso.
Prova-o a inércia de lesmas anestesiadas diante de tanta calhordice pipocando todo dia. 
Prova-o o fato de adolescentes pensarem que têm o direito de invadir, aos magotes, um ambiente fechado, para fazer correrias e gritaria.
Prova-o vagabundos que se sentem autorizados a avançar sobre policiais caídos, a atacá-los em grupo, quando os policiais estão cumprindo o elementar dever de manter a segurança.
Prova-o vagabundos marginais que se organizam para fazer terrorismo e atentar contra a vida alheia, como aconteceu com o cinegrafista que foi atingido por um rojão, sofrendo traumatismo craniano grave.
Prova-o pessoas que pensam poder fazer justiça por conta própria valendo-se para isso de métodos que a humanidade deveria ter deixado para trás há séculos.
Prova-o a disposição aparente do povo brasileiro em eleger novamente essa mulher incompetente, despreparada, arrogante, títere daquele que nos despreza, povo brasileiro, por termos permitido que ele esfregasse sua sujeira moral em nossa cara.
Já não sei se podemos ter esperança de cura.

Esse texto foi escrito ao som de Lux Aeterna, Requiem for a Dream, Clint Mansell.  Por que lamento  ver que não percebemos que a decadência nos aguarda sem sequer termos tido um momento da glória que faz uma nação permanecer na memória da História.

Guia politicamente incorreto para os pais do século XXI.



Caso você esteja pensando em ter um filho, não cuide de perder tempo imaginando se ele/ela terá a inteligência da mãe e a beleza do pai, se terá os olhos da vovó e o nariz do vovô.
Se ocupe em pensar que você estará pondo no mundo um ser humano. Isso quer dizer que você estará se responsabilizando pelas consequências de contribuir com bons ou maus costumes, com a educação ou falta dela, com a civilidade ou a barbárie, de mais uma pessoa neste nosso mundo que já é muito complicado.

Isto posto, vamos ao que interessa: a arte de criar filhos.

Criar filhos não significa pô-los no mundo e esperar que se comportem como um pé de margarida silvestre, isto é, que floresçam sem cuidados maiores.
Dá um trabalho medonho. Primeira coisa: você não pode criar um filho sem se sacrificar. Seja o sono, sejam horários regulares de alimentação, seja a visita à sala do trono, o banho, horas de lazer, vida sexual, sua paciência, seu amor-próprio... A lista é longa e você só não passará por isso se deixar seu filho/filha aos cuidados de terceiros e aí você não será pai e/ou mãe, então não é com você que estou falando.
A coisa mais importante de todas: uma família não é uma democracia. É no máximo uma teocracia esclarecida, em que você é deus dispensando amor, sabedoria, justiça.
Isso de ser deus é uma responsabilidade imensa. Faça jus a ela. Um dos quesitos fundamentais é a justiça. Não prometa nada que não vá cumprir. Não minta para seu filho se puder evitar. Se não puder, certifique-se de que ele nunca descubra, ou só descubra quando estiver na idade em que pode avaliar as coisas que nos movem. Não estabeleça critérios que você não possa seguir. Nada desmoraliza mais um pai e mãe que dizer ao filho que este deve se comportar de uma forma determinada enquanto os próprios pai/mãe agem de forma diferente.
Amar não é mover céus e terra para que seu filho seja feliz. Por que nem os céus nem a terra se moverão para agradar seu filho quando ele tiver que lidar com o mundo por conta própria. Não é dar tudo que ele queira. Não é deixa-lo fazer tudo que queira. Essas coisas não significam amor de sua parte, significam egoísmo. Significam que você não quer ser amolado e acha mais fácil (para você) ceder do que ter trabalho e aborrecimento. Você ainda não sabe, mas ser pai/mãe significa ter aborrecimentos, um atrás do outro.
Seja você crente ou ateu, há uma máxima na bíblia que realmente vale alguma coisa: seja o seu sim, sim e o seu não, não.
Portanto: tome muito cuidado quando enunciar seus princípios. Esteja preparado para resistir a um assédio verdadeiramente infernal se proibir algo que seu petiz queira e de que você discorde ou não queira ou não possa dar.



Lágrimas copiosas, nariz escorrendo, soluços de cortar o coração da esfinge, gritos, lamentos, nada disso importa mais que a segurança que você estará transmitindo ao seu filho/filha, junto com a noção de que ele tem limites. Haverá ocasiões em que você perceberá que poderia ter sido mais flexível. Nesse caso, não tema em explicar a seu filho/filha que você errou e que está reconsiderando sua decisão. Apenas cuide para que essas ocasiões ocorram o mínimo possível ao mesmo tempo em que deixa claro que é você quem manda.
Aceite os benefícios do castigo, sem medo. Por castigo vale privar o filho/filha das coisas que ele gosta, mas também um bom grito e umas sonoras palmadas na hora certa.
O quê? Gritar é dar mau exemplo? Depende. Se você vai ter ataques histéricos por tudo e por nada, é um mau exemplo, sem dúvida. Mas um grito na hora certa tem efeitos terapêuticos e pedagógicos. Terapêutico por que você estará dando vazão a um nível de irritação que extrapola sua capacidade de aturar manhas e teimosias, além de prevenir o momento desagradável em que seu último recurso é dar umas palmadas no bumbum do seu filho pirracento. Você ainda é um ser humano, não se esqueça disso, mas não abuse disso.
Pedagógico por que se usado com parcimônia fará seu filho/filha perceber que está ultrapassando limites, os mesmos que você a essa altura já terá cuidado de deixar claro quais são.
Mas não deite em cima dos louros ainda. Crianças pequenas têm uma capacidade tremenda de desafiar qualquer limite. Isso por que elas estão testando até onde podem ir e o céu é o limite.
Quando vejo um pai ou mãe dizendo que nunca precisou dar uma palmada no filho eu penso que
a – ele/ela está mentindo;
b – ele/ela não cria o próprio filho/filha;
c – ele/ela está criando um androide;
d – ele/ela é que é o androide.
Sim, haverá um momento ou outro em que você precisará esquentar o bumbum fofinho do seu filho/filha e não, você não deverá se sentir como se tivesse cometido um crime contra a humanidade. Você não gostará de ter que fazer isso e não se sentirá bem depois de tê-lo feito, é bom que fique sabendo.
Os propagadores do mundo paz e amor, mundo que não existe, dizem que a palmada não é pedagógica.
Mentira deles. É sim. Uma palmada aplicada no momento certo e pelas razões certas fará seu filho/filha perceber que ele/ela realmente ultrapassou qualquer limite e que isso não foi nada bom nem certo.
A sua palmada hoje pode evitar que amanhã seu filho/filha quebre a cabeça de alguém, ou ponha fogo em alguém ou jogue o próprio filho/filha pela janela do sexto andar para tentar despistar que bateu na criança a ponto de pensar que ela estava morta. Sua palmada e seu grito servirão para ensinar a seu filho/filha que algumas coisas simplesmente não se fazem, ponto final. Claro que antes disso você terá dado o máximo de si para ensinar por outras formas.
E não se preocupe. Seu filho/filha não deixará de amá-lo. Isto é, não deixará de amá-lo se você se fizer amado. Se estiver presente o máximo possível na vida dele/dela, abraçando, beijando, ouvindo, respondendo, respeitando. Acalentando quando ele/ela estiver com medo, tiver se machucado, ou quando apenas quiser ficar no seu colo, sentindo seu cheiro e seu calor.




Ter e criar filhos não é uma aventura inconsequente. É uma realização como nenhuma outra que o ser humano possa experimentar. Tudo que você der de si trará de volta uma recompensa que não pode ser medida por valor nenhum no mundo.
Tenha seu filho ou sua filha e ame-o e ame-a tanto quanto possa e saiba que esse amor é muito maior do que você pode imaginar antes de tê-los. Mas seja responsável. Se responsabilize integralmente por essa vida, preparando-a para o mundo e ela para esse mesmo mundo.





Esse texto foi escrito ao som de As Quatro Estações, Vivaldi. Por que a vida é um ciclo que deve ser celebrado na sua plenitude.